Seja atrevido, não se arraste, olhe nos olhos e aprenda a desrespeitar!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Preciso saber...

Tenho que confessar que não estou totalmente confortável. Minha mente é racional não dedutiva. Preciso de dados palpáveis para SABER algo. E não tenho obtido o necessário para me manter tranquilo. Há vezes em que me questiono o que há comigo, o que eu tenho, o que te mantém aqui. E não, palavras não bastam. Ainda mais sabendo do quão sente falta dos rolês que fazia quando eu não estava por perto.
Eu também quero fazer coisas que eu fazia antes, mas quero que você me acompanhe, eu te incluo nos meus planos, pois tudo o que eu te disse é verdade.
Logo volto às minhas atividades normais, volto para o trabalho e, talvez para o estudo, mas como posso ficar tranquilo sem saber se você não está como gostaria?
Tenho tentado fazer o meu melhor, mas sempre fico com a impressão de não ser o suficiente. Onde estou falhando?
Estou cansado.
Preciso saber. Não posso deduzir. Não posso adivinhar. Preciso que me mostre e não apenas me diga.
O que posso fazer? Eu sou assim.
Não acredito em palavras, não tenho capacidade de dedução, menos ainda de adivinhar.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Insônia e amnésia



Por conta da superlotação, tive que ficar três dias e três noites deitado numa maca estacionada no corredor da emergência do hospital.
As luzes nunca se apagam no corredor da emergência e o movimento de pessoas é intenso durante o dia e também durante a noite. Isso fez com que minha capacidade de dormir sumisse. E eu tentei. Muito. Fechava os olhos e esperava. Esperava, esperava. Mas, para uma pessoa que possui o sono leve, dormir ali é impossível. Eu olhava para outros pacientes ali no corredor durante a madrugada e ficava impressionado como dormiam bem. Uns até roncavam.
Quando conseguiram um leito num quarto para mim pensei que finalmente conseguiria dormir, mas não.
Na primeira noite em meu novo aposento, fiquei olhando fixamente para o teto. Uma enfermeira apagou a luz. Eu continuei a olhar para o teto pensando que o sono chegaria a qualquer momento agora que estava escuro. Comecei a pensar em coisas corriqueiras como fazemos antes de dormir. Pensei no meu trabalho, na minha doença, em pessoas que estavam me ajudando tanto naqueles dias, em pessoas que eu amava e até em pessoas que odiava no momento. Foi quando eu vi uma claridade na janela. E tentei não acreditar no que eu já havia deduzido. Estava amanhecendo. E eu sequer fechei os olhos.
Chegaram médicos, enfermeiras, funcionários da limpeza. Cada um exercendo sua função, fazendo o hospital acordar.
A tarde recebia visitas. Me trouxeram livros. O que era um alívio, considerando que não havia nada para se fazer ali e o tédio era constante.
Assim que fiquei sozinho de novo peguei um livro e comecei ler, feliz por ter algo com que ocupar a cabeça. Quem sabe com isso eu pegasse no sono a noite. Afinal, sempre leio antes de dormir. Não raras vezes acordei pela manhã com um livro aberto sobre o peito. Ler até dormir, essa era a ideia.
De repente uma enfermeira entra e diz:
- Você não vai dormir?
Olho no relógio e vejo que já são quatro horas da manhã e faltam apenas algumas páginas para terminar o livro. Engulo a frustração, termino o livro, apago a luz e fecho os olhos.
Finalmente consigo.
Percebo isso depois, claro.
A luz acende e a enfermeira me acorda para me medicar. Com um tom de desculpa diz:
- Ah, que pena. Justo agora que você conseguiu dormir.
Tomo o remédio e ela sai.
Então percebo que não faço a mínima ideia de onde estou. Fico sentado na cama. Olho ao redor e tudo me é estranho.
Não sabia quem era aquela enfermeira, não sei onde estou, nem por que estou ali, ou como cheguei até aquele lugar.
Não consigo me lembrar de nada. Nem meu nome.
Tenho a impressão que se tivesse um espelho na minha frente naquele momento não teria reconhecido meu rosto.
Passam-se cinco ou dez minutos, então eu olho ao redor. Estou num hospital. Como cheguei aqui?
Começo a me fazer perguntas e, conforme consigo responder, faço a pergunta mais óbvia me que parece e, assim, começo a retroceder e a lembrar de acontecimentos recentes. Leio meu nome na pulseira de identificação que estou usando. Por último lembro-me da vida que levava antes de ficar doente.
Paro e reflito sobre esse incidente. Uma amnésia de quinze minutos. Talvez seja uma manifestação da doença, ou a falta de sono. Olho no relógio. Faltam apenas alguns minutos para as cinco da manhã. Percebo que dormi apenas uns poucos minutos.
Deito novamente, olhos para o teto, ouço os médicos chegando e apenas digo baixinho:
- Merda!

A voz

Terça-feira à noite. Estação da Luz.
Os pés separados por uma pequena distância. Mochila no ombro esquerdo, segura por uma das mãos, a mochila que sempre o acompanha e a outra mão no bolso da jaqueta.
Espera. Sem grande interesse, observa os trilhos, perde-se em pensamentos. Afinal, tantas coisas aconteceram nesses anos. Lembra-se da infância e todo o percurso que o levou até seus vinte e seis anos. Crescer não foi tão legal quanto esperava. Não lhe prepararam para crescer, para mudar, para ser adulto. O prepararam para vencer, para ser o melhor, para ser especial e tudo de bom acontecer com ele. Sente-se enganado. Mentiram para ele a vida inteira. Seu pai, sua mãe, professores, todos, cada um com sua mentira. As coisas não aconteceram como disseram que aconteceria.
Espera.
Crescer não é tão legal.
O trem chega.
Ele observa as portas se abrirem automaticamente e sente algo estranho. Por um instante ele olha para as portas com o canto dos olhos, segue em frente e procura um lugar para sentar. Havia pouca gente no vagão. Senta-se próximo a uma janela e, com a mochila sobre as pernas, vasculha-a a procura de um livro. No entanto, esqueceu o livro em algum lugar, tenta lembrar, mas logo desiste e resolve continuar só com seus pensamentos, retomando aquele sentimento de decepção em crescer. Mas uma voz o tira violentamente do meio de seus pensamentos.
Ele olha ao redor, algumas pessoas dormem sentadas, outras leem. Procura entre os passageiros quem disse aquilo, mas todos parecem apenas esperar chegar sua vez de descer.
Achou tudo muito estranho, olhou pela janela para dentro da noite e mergulhou de novo em seus pensamentos.
Seu pai um dia lhe falou que ele poderia ser o que quisesse. Disse que teria filhos. Que ganharia dinheiro o suficiente para realizar seus sonhos. Parecia tão fácil nas palavras dele. Realmente, gostaria que fosse mais fácil.
Ouve de novo.
A mesma voz o pegou num sobressalto. Procura ao redor novamente, todos parecem sequer ter ouvido. Mas ele ouviu. Com certeza. Algumas pessoas entram no vagão e ele passa a sentir-se esquisito. De quem era aquela voz?
Sua mãe sempre lhe dizia que é especial. Único. E ele sentia que, por isso, que tudo aconteceria para ele. Mas as coisas não acontecem, ele precisa correr atrás, suar, se sacrificar para que tudo aconteça. Ele precisa fazer acontecer. Aos poucos aprendeu isso.
Dessa vez ele levantou do banco. A voz. Começa a encarar todos a sua volta. Nada. Senta-se de novo, um pouco envergonhado, algumas pessoas lançam olhares, sentiu-se muito estranho.
Segurava a mochila e, discretamente, olhava para os outros passageiros com desconfiança.
A voz aparecia e sumia. Dizia poucas palavras. A cada vez ele ouvia apertava mais a mochila contra o peito e encolhia no banco, tentando não demonstrar o pavor que começava a dominá-lo.
Aquela voz apareceu mais seis vezes. Já suava frio quando o trem diminuiu a velocidade e parou numa estação. Não aguentou. Levantou, correu em direção à porta e saltou para fora do trem. Desviou de algumas pessoas, atravessou a plataforma e, enquanto as portas de outro trem começam a se fechar, espremeu-se entre elas e sentou-se num banco ao fundo do vagão.
Respiração ofegante. Pensou: “Consegui”.
O trem parte, ele percebe que está sozinho no vagão e uma sensação de alívio passa por ele enquanto sua respiração começa a voltar ao normal.
De repente a voz de novo. Ele entra em pânico. Não consegue entender. O trem pára. As portas se abrem. Seus olhos arregalam-se a espera de quem alguém entre. Ninguém. Apenas o vento frio da noite. E o trem parte novamente.
A voz reaparece mais duas vezes e em cada vez seu medo aumenta e ele vê as portas se abrirem e pensa em sair do trem, mas hesita e elas se fecham. Na terceira vez ele mal espera a porta se abrir. Lança-se fora do trem, correndo, cambaleia, retoma o equilíbrio e tenta correr o mais rápido que pode. Sai da estação, tropeça na escada e cai de costas. Ainda no chão, olha para cima onde lê as palavras “Estação Jundiaí”.
Está em casa.

Baseado na música “Metrô” – Rogério Skylab

Disputa

Uma noite dessas resolvi ligar para minha amiga Ana que não via há algum tempo. Coincidentemente havia uma reunião de amigos na casa dela onde, entre os presentes, estavam outras pessoas que eu não via há bastante tempo. Ela me convidou para ir lá e rever todo mundo. Aceitei.
O papo estava bom até perguntarem a um amigo sobre sua saúde. Todos sabiam que ele havia passado por uma cirurgia recentemente e ainda estava se recuperando:
- Como você está agora Miguel?
- Estou bem, minha recuperação está sendo rápida e talvez meu tratamento seja mais leve daqui pra frente. Estou só esperando os resultados de uns exames...
 De repente foi interrompido por um cara que eu não conhecia que começou a falar da própria experiência:
- Ah passei um perrengue com a minha mãe, também. Uma noite fomos comer fora e, no dia seguinte ela acordou com uma dor na barriga muito forte e tive que correr com ela para o hospital. O problema era no pâncreas. Os médicos estavam quase desistindo dela. Ela se recuperou por pouco, mas ainda hoje ela... – O cara falava de uma maneira que fazia parecer que o rapaz havia tido só uma gripe.
Miguel ouviu o cara atentamente até que ela terminasse sem falar nada. Interromper as pessoas enquanto falavam sempre pareceu algo repugnante para ele.
Quando terminou de contar sobre a doença da mãe o cara se levantou e foi conversar com outra pessoa. A Ana então perguntou:
- Miguel, mas como aconteceu? Como você descobriu? Aliás, o que você teve?
- Eu comecei a me sentir um pouco fraco – começou o Miguel, de novo – e um dia eu fui trabalhar, mas quando cheguei lá todos que me olhavam me diziam para ir a um hospital, minha cara não estava boa, estava mal..
- Eu também passei mal no trabalho essa semana – era uma das amigas da Ana – eu trabalho na prefeitura e participei da organização do desfile militar do feriado nacional. O Sol estava muito forte durante o desfile e nos deixaram sem água. Acredita? Bebi água escondido que uma moça da outra equipe me deu. Tive que correr atrás de água para uma senhora grávida que estava lá quase passando mal, consegui dois copos de água pra ela. Uma vergonha. Ela só bebeu água por minha causa...
Meu celular tocou e saí para atender. Era outra amiga:
- Oi Renata, tudo bem?
- Bem, estou passando perto da sua casa, minha mãe está com visitas e não estou afim de ir pra lá agora.
- Eu não estou em casa. Estou na casa de uma amiga com um pessoal que não via há algum tempo.
- Ah tá, a gente se fala.
A mulher ainda falava do desfile, do calor e de como salvou a grávida dando-lhe copos de água. Meia hora mais tarde o celular toca de novo:
- Oi.
- Oi Renata.
- Estou no bar Tribos, tem uma banda legal tocando.
- Que bacana! Ainda estou aqui com uns amigos.
- Encontrei uns amigos aqui também. Está muito divertido aqui. Legal mesmo. A gente se fala depois, Tchau.
- Tchau.
Agora outra mulher falava sobre como sua vida foi difícil sem ter um pai.

Eu já sabia o que havia acontecido com o Miguel, fui visitá-lo no hospital e conversamos bastante. Foi uma barra, um período muito difícil pra ele. Mas percebi que ele não fazia questão de que as pessoas soubessem de tudo o que aconteceu, também não escondia, se alguém lhe perguntava ele contava tudo o que queriam saber. Mas ali ninguém queria realmente ouvir sobre o Miguel. As pessoas se dividiam em quem queria se autopropagandear, falar de si mesmo, chamar a atenção e tentar fazer com que todos achem sua vida tão interessante quanto ele mesmo achava, e quem apenas queria ouvir alguém falando para poder colocar sua importante opinião sobre o assunto que estivesse em pauta, seja ele qual for.
Fiquei pensando sobre como é escancarada essa disputa as pessoas por atenção, seja pelos acontecimentos em suas vidas, seja por seus pensamentos. Todos ali, exceto o Miguel, disputavam cada segundo da atenção dos demais, o que me fez chegar à conclusão de que não havia ninguém ouvindo, não havia diálogo, havia vários monólogos ocorrendo simultaneamente. Cada um tentando mostrar que sua vida é mais interessante ou mais intensa seja por dificuldade, tristeza, coragem, superação, qualquer coisa, seja por sua mente brilhante já nascida com a capacidade de discorrer e opinar sobre qualquer assunto que possa surgir.
É estranha essa necessidade das pessoas de mostrar que, de alguma forma, merecem estar em evidência, ser notado, pois suas vidas são especialmente diferentes, principalmente na intensidade das coisas. Se disser que sofreu, elas sofreram mais. Se disser que superou algo ruim, elas superaram coisa pior. Se disser que se divertiu, elas foram além da diversão. Se estiver bem, elas estão melhores. Se estiver mal, elas estão quase morrendo. Nada do que você faz é tão intenso quanto o que ocorre com elas. E elas precisam mostrar isso a você, não podem ficar por baixo nessa disputa, mesmo que você não esteja disputando. Elas precisam que você saiba o quão especiais elas são e que você jamais irá superá-las.
Comecei a ficar entediado com aquele jogo de “quem é mais que quem” e resolvi ir embora.
- Pode me dar uma carona? – disse o Miguel – também já vou.
- Claro, vamos lá.
No carro falei:
- Saiu cedo também, tem outro compromisso?
- Que nada, não aguentava mais aquele papo. Todo mundo se atropelando pra falar. Não aguentei.
- Somos dois então. Ninguém conversa, só ficam falando, falando, falando...
- Pois é.
- Tenho uns filmes do Chaplin em casa, tá afim de assistir?
- Claro. Adoro o Chaplin.


Chegar na Hora

Chegar na hora. Atrasar-se agora é sinônimo de importância. Não importa a ocasião, pode ser só tomar uma cerveja no buteco, a pessoa sempre chegará atrasada. E quanto maior o tempo de atraso, mais importante a pessoa se considera. Ao que parece, tornou-se bonito, fino, elegante não chegar na hora marcada. O que eu vejo como uma grande babaquice, além de uma grotesca falta de respeito. Pois se a hora marcada foi as nove, porque não chegar às nove? Qual a beleza em deixar o outro esperando?
E há sempre um argumento, uma desculpa, um motivo que você TEM QUE ENTENDER. A pessoa que espera sempre fica com o papel de ser compreensiva e, se não for, o atrasildo se acha no direito de se sentir magoado. E o errado e você que combinou de chegar as nove e chegou às nove.
Mas pior mesmo é quando nem desculpa tem. A pessoa acha normal e chega dizendo: “Ah, eu me atraso mesmo, nunca chego na hora, não sei o que acontece comigo, até já me acostumei.”. Acho difícil imaginar alguém mais filha da puta. Trabalhei com uma mulher que se atrasava para qualquer compromisso que marcávamos. Fazia isso com todos. Amigos, família, colegas de trabalho. Chegou atrasada ao almoço que marcamos entre os amigos do setor. Atrasou-se para a confraternização de fim de ano e levou consigo uma colega que havia lhe pedido carona. Marcamos de assistir a um jogo de futebol, ela apareceu no início do segundo tempo. Quando alguém chamava a atenção para o atraso ela sempre dizia a mesma coisa:
- Eu sempre me atraso. Nasci com mais de nove meses, até pra nascer eu me atrasei.
Claro que ninguém a via chegar atrasada ao trabalho nos dias que o chefe estava lá ou para qualquer compromisso no qual a maior interessada seria ela mesma. Eu observava isso de longe, sem mencionar palavra. Até um dia ela me falar:
- Já que todo mundo sabe que eu sou assim, deviam se acostumar, não acha Ti?
- Acho isso uma puta sacanagem, isso sim. Falta de consideração e respeito digno de um grande filho da puta.
Ela nunca mais falou comigo e todos ao redor acharam que eu peguei pesado demais com ela, apesar de dizer o que todos ali pensavam de verdade.
O mesmo fato observei em provas de vestibular, concurso público, etc. Parece que o mundo conspira para que a pessoa não chegue na hora marcada. Em qualquer prova desse tipo sempre haverá alguém chorando do lado de fora do portão, pedindo para a deixarem entrar, pois o ônibus quebrou, o metrô atrasou, furou o pneu do carro, o despertador não tocou, relógios quebrados, mães doentes, mortes na família, tudo resolve acontecer no dia da prova.
Lembro-me de uma jovem amiga que encontrei nervosa na rua:
- O que houve querida? – perguntei.
- Perdi o vestibular. Me atrasei. É foda, paguei cem paus na inscrição e por causa de dez minutos aqueles filhos da puta não me deixaram mais entrar naquela porra.
- Mas porque você se atrasou?
- Ah meu, cheguei tarde ontem e acordei atrasada, tive que sair correndo de casa.
- Mas se você sabia que precisava chegar mais cedo devia ter se programado.
- Ah meu, vou me sacrificar por causa de uma porra de prova vestibular?
- Não foi você que chegou três dias antes na fila para um show lá no Morumbi?
- Foi, queria garantir meu lugar.
Enfim, tirando raras exceções, você pode medir o grau de importância de um evento para uma pessoa pela hora em que ela chega.
Aprendi uma técnica legal para não ser injusto nesses casos com pessoas atrasildas. Claro que você precisa chegar na hora para usá-la. Após o horário marcado espera-se dez minutos, para qualquer pessoa. Passando-se esses dez minutos você atribui uma nota de zero a dez para a pessoa atrasada. Multiplique a nota por cinco. Eis o tempo que essa pessoa merece ser esperada. Caso a nota seja zero, você vai embora depois de esperar apenas os dez minutos, caso seja 10, você espera mais cinquenta minutos, totalizando uma hora de espera. Ninguém merece ser esperado mais de uma hora. Se passado todo esse tempo e a pessoa não chegar, pode ir embora pensando que essa pessoa que você considera nota 10, talvez não te considere tanto assim.
Agora, se você é um atrasildo, por favor, se marcou as nove, chegue as nove e não dê margem para que uma pessoa querida comece a achar você um grande filho da puta.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Copo por copo


Todos os dias ela chegava do trabalho e encontrava os copos sujos em cima da pia. Reclamava com o filho, reclamava com o marido e com quem estivesse na casa. Depois caminhava até a pia e lavava copo por copo. No dia seguinte a cena se repetia.
Um dia ela chegou com um sorriso no rosto. Um sorriso de satisfação. Colocou a bolsa sobre a mesa e olhou para a pia. Lá estavam os copos sujos. Sem dizer nada, pegou um copo por vez e atirou contra a parede. Houve um profundo silêncio nessa hora. Ouvia-se apenas o som do vidro estilhaçando e voando para todo lado. Espatifou copo por copo.
Quando acabou, pegou a bolsa e caminhou até o quarto sem dizer nada ainda com o sorriso de satisfação no rosto. Fechou a porta.
Então o filho disse:
- Se não tem copos, não tem copos sujos.
O marido olhou para ele e disse:
- Lave os pratos.

Insignificante.

Festa. Hora de socializar. Mas nunca fui bom nisso. Enfim, é difícil escapar, já que sou um ser humano e há quem goste da minha companhia.

Nessas condições a saída é beber. E bebi. Bastante. Bastante para mim que sou fraco pra bebida. Bebi pra me soltar e descontrair, pra perder a timidez. Bebi até fica tonto.
Saí porta afora e me sentei na calçada. Minha cabeça girava.
Girava.
Girava.
Deitei-me de costas e olhei para o céu. Estrelas, muitas estrelas. Contemplei, impressionado, aquele teto cheio de pontos luminosos. Maravilhoso.
Girava.
Lembranças vieram e entraram no carrossel da minha mente.
Planos para o futuro também não ficaram de fora.
E vi minha imagem ali deitado. Uma visão de cima. Me vi ali jogado, largado como um pedacinho de pano. Esquecido, quieto, imóvel.
Girava.
Olhava para minha imagem ali no chão e ela começou a diminuir.
Subindo.
Então eu vi toda a casa, a rua, o bairro, a cidade e eu muito pequenino lá em baixo, deitado. Apenas um pontinho.
Subindo.
Pude ver todo o continente e como as fronteiras desaparecem desse ângulo.
Então vi todo o Planeta Terra. Passei pela Lua e me senti um grão de pó esquecido na imensidão escura do cosmos. Percebi então o quão insignificante sou e que, perante o Universo, de nada vale minha existência. Viver ou morrer, não faz diferença. Nada muda a não ser para mim, insignificante pedaço de quase nada, um resquício de fuligem largado na calçada esperando por um vento que me levasse a algo que valesse a pena, pois nada mais fazia sentido e tudo me pareceu fútil e inútil.
Levantei e fui para dentro. Um amigo me questionou:
- O que fazia lá fora?
Abri um sorriso e disse:
- Morria.
O vento não veio.


Miguel Gonzales