Seja atrevido, não se arraste, olhe nos olhos e aprenda a desrespeitar!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Copo por copo


Todos os dias ela chegava do trabalho e encontrava os copos sujos em cima da pia. Reclamava com o filho, reclamava com o marido e com quem estivesse na casa. Depois caminhava até a pia e lavava copo por copo. No dia seguinte a cena se repetia.
Um dia ela chegou com um sorriso no rosto. Um sorriso de satisfação. Colocou a bolsa sobre a mesa e olhou para a pia. Lá estavam os copos sujos. Sem dizer nada, pegou um copo por vez e atirou contra a parede. Houve um profundo silêncio nessa hora. Ouvia-se apenas o som do vidro estilhaçando e voando para todo lado. Espatifou copo por copo.
Quando acabou, pegou a bolsa e caminhou até o quarto sem dizer nada ainda com o sorriso de satisfação no rosto. Fechou a porta.
Então o filho disse:
- Se não tem copos, não tem copos sujos.
O marido olhou para ele e disse:
- Lave os pratos.

Insignificante.

Festa. Hora de socializar. Mas nunca fui bom nisso. Enfim, é difícil escapar, já que sou um ser humano e há quem goste da minha companhia.

Nessas condições a saída é beber. E bebi. Bastante. Bastante para mim que sou fraco pra bebida. Bebi pra me soltar e descontrair, pra perder a timidez. Bebi até fica tonto.
Saí porta afora e me sentei na calçada. Minha cabeça girava.
Girava.
Girava.
Deitei-me de costas e olhei para o céu. Estrelas, muitas estrelas. Contemplei, impressionado, aquele teto cheio de pontos luminosos. Maravilhoso.
Girava.
Lembranças vieram e entraram no carrossel da minha mente.
Planos para o futuro também não ficaram de fora.
E vi minha imagem ali deitado. Uma visão de cima. Me vi ali jogado, largado como um pedacinho de pano. Esquecido, quieto, imóvel.
Girava.
Olhava para minha imagem ali no chão e ela começou a diminuir.
Subindo.
Então eu vi toda a casa, a rua, o bairro, a cidade e eu muito pequenino lá em baixo, deitado. Apenas um pontinho.
Subindo.
Pude ver todo o continente e como as fronteiras desaparecem desse ângulo.
Então vi todo o Planeta Terra. Passei pela Lua e me senti um grão de pó esquecido na imensidão escura do cosmos. Percebi então o quão insignificante sou e que, perante o Universo, de nada vale minha existência. Viver ou morrer, não faz diferença. Nada muda a não ser para mim, insignificante pedaço de quase nada, um resquício de fuligem largado na calçada esperando por um vento que me levasse a algo que valesse a pena, pois nada mais fazia sentido e tudo me pareceu fútil e inútil.
Levantei e fui para dentro. Um amigo me questionou:
- O que fazia lá fora?
Abri um sorriso e disse:
- Morria.
O vento não veio.


Miguel Gonzales

O mistério do espelho


Tenho problemas com espelhos.
Não que eu seja uma criatura desagradável ao olhar. Também não sou um exemplo de beleza. Mas isso não tem nada a ver com meu problema com espelhos.
Espelhos me causam desconfiança. Não o espelho da minha casa, que eu uso pra fazer a barba, nesse eu posso confiar. Desconfio de espelhos em banheiros coletivos. Nos banheiros do trabalho, banheiros da faculdade, banheiros públicos, lá estão aqueles espelhos com aspecto inocente.  E exatamente esse aspecto que me causa desconfiança.
É tudo tranquilo demais. Às vezes você se encontra sozinho em frente a um espelho, com toda a privacidade que um banheiro pode oferecer. Situação propícia a lhe deixar a vontade para fazer tudo aquilo que não faria em público, mas não resiste em fazer quando está sozinho em frente a um espelho.
Quando me encontro numa situação assim, sempre desconfio. Meu primeiro pensamento é “Há uma câmera atrás do espelho.” Tenho a impressão de que um dia verei algum vídeo na internet de pessoas naquele mesmo lugar onde estou. Mas não eu, que sempre sou tão cuidadoso nesses assuntos importantes. Jamais me pegarão.  Sempre dou uma checada no que há atrás da parede onde o espelho está pendurado. Quase sempre é o banheiro feminino, mas quando se trata de uma sala onde não é possível saber o que há lá dentro meu pensamento é “Ahááá! Eu sabia.”.
Pode ser que seja apenas um depósito de produtos de limpeza, mas nunca se sabe.