Seja atrevido, não se arraste, olhe nos olhos e aprenda a desrespeitar!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Insônia e amnésia



Por conta da superlotação, tive que ficar três dias e três noites deitado numa maca estacionada no corredor da emergência do hospital.
As luzes nunca se apagam no corredor da emergência e o movimento de pessoas é intenso durante o dia e também durante a noite. Isso fez com que minha capacidade de dormir sumisse. E eu tentei. Muito. Fechava os olhos e esperava. Esperava, esperava. Mas, para uma pessoa que possui o sono leve, dormir ali é impossível. Eu olhava para outros pacientes ali no corredor durante a madrugada e ficava impressionado como dormiam bem. Uns até roncavam.
Quando conseguiram um leito num quarto para mim pensei que finalmente conseguiria dormir, mas não.
Na primeira noite em meu novo aposento, fiquei olhando fixamente para o teto. Uma enfermeira apagou a luz. Eu continuei a olhar para o teto pensando que o sono chegaria a qualquer momento agora que estava escuro. Comecei a pensar em coisas corriqueiras como fazemos antes de dormir. Pensei no meu trabalho, na minha doença, em pessoas que estavam me ajudando tanto naqueles dias, em pessoas que eu amava e até em pessoas que odiava no momento. Foi quando eu vi uma claridade na janela. E tentei não acreditar no que eu já havia deduzido. Estava amanhecendo. E eu sequer fechei os olhos.
Chegaram médicos, enfermeiras, funcionários da limpeza. Cada um exercendo sua função, fazendo o hospital acordar.
A tarde recebia visitas. Me trouxeram livros. O que era um alívio, considerando que não havia nada para se fazer ali e o tédio era constante.
Assim que fiquei sozinho de novo peguei um livro e comecei ler, feliz por ter algo com que ocupar a cabeça. Quem sabe com isso eu pegasse no sono a noite. Afinal, sempre leio antes de dormir. Não raras vezes acordei pela manhã com um livro aberto sobre o peito. Ler até dormir, essa era a ideia.
De repente uma enfermeira entra e diz:
- Você não vai dormir?
Olho no relógio e vejo que já são quatro horas da manhã e faltam apenas algumas páginas para terminar o livro. Engulo a frustração, termino o livro, apago a luz e fecho os olhos.
Finalmente consigo.
Percebo isso depois, claro.
A luz acende e a enfermeira me acorda para me medicar. Com um tom de desculpa diz:
- Ah, que pena. Justo agora que você conseguiu dormir.
Tomo o remédio e ela sai.
Então percebo que não faço a mínima ideia de onde estou. Fico sentado na cama. Olho ao redor e tudo me é estranho.
Não sabia quem era aquela enfermeira, não sei onde estou, nem por que estou ali, ou como cheguei até aquele lugar.
Não consigo me lembrar de nada. Nem meu nome.
Tenho a impressão que se tivesse um espelho na minha frente naquele momento não teria reconhecido meu rosto.
Passam-se cinco ou dez minutos, então eu olho ao redor. Estou num hospital. Como cheguei aqui?
Começo a me fazer perguntas e, conforme consigo responder, faço a pergunta mais óbvia me que parece e, assim, começo a retroceder e a lembrar de acontecimentos recentes. Leio meu nome na pulseira de identificação que estou usando. Por último lembro-me da vida que levava antes de ficar doente.
Paro e reflito sobre esse incidente. Uma amnésia de quinze minutos. Talvez seja uma manifestação da doença, ou a falta de sono. Olho no relógio. Faltam apenas alguns minutos para as cinco da manhã. Percebo que dormi apenas uns poucos minutos.
Deito novamente, olhos para o teto, ouço os médicos chegando e apenas digo baixinho:
- Merda!

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